sábado, 31 de maio de 2014

Tudo o que Não Foi

Foi preciso que muito acontecesse para que eu percebesse que tudo o que eu queria era uma família.
Como ouso querer uma família? Tenho pais maravilhosos e uma vida muito boa. Não sou órfã de forma alguma! Ainda assim sinto que falta algo. Minha família nunca esteve completa.
Era o final do ano letivo, eu deveria estudar para as provas, mas encontrava-me sentada ao chão mexendo em velhos papéis enquanto meus pais conversavam ao lado na sala. Eu ouvia a tudo e via minhas próprias expressões através do reflexo da porta de vidro da estante. "Foi uma suspeita de gravidez que eu ouvi?", ria esfregando as mãos umas nas outras de forma circular para demonstrar que estava entendendo tudo.
Mais a frente em minhas memórias lembro de estar em casa com minha mãe, minha tia e um teste de gravidez. "Se aparecerem duas linhas o resultado é positivo, uma só é negativo. Coloque ao sol" leram elas.
Um frasco com, o que acredito que tenha sido, urina foi deixado na janela da sala com algo dentro que me parecia um termômetro. Eu caminhava para lá e para cá dando olhadelas. Com toda a demora acabei esquecendo do frasco. Minha tia foi quem alertou sobre as duas listras azuis na palheta branca. "POSITIVO!" gritei, e lembro de pular feliz. Minha mãe estava grávida! Ela teria um bebê! Eu teria um irmão!
Contei à meus amigos a grande notícia, e à meus professores. Escolhi com meus pais o nome e imaginei o sexo. Tive vários alertas do tipo "Você vai ter que cuidar dele na escola! Vai ajudar com o bebê em casa!" Eu não reclamaria, na verdade, pensava ser bem legal.
Quando lembro-me do que aconteceu duas coisas me vem a mente. Um quebra-cabeças da Turma da Mônica e minha mãe deitada à rede consolando-me enquanto eu chorava sobre a cama com duas de minhas amigas ao lado. Tudo acabou tão facilmente...
Mas minha esperança não havia ido embora, isso é o que mais dói. Mesmo depois de todas as coisas ruins de 2004 eu continuava a fantasiar maneiras de ter "uma família completa". Implorava à meus pais irmãos desde sempre e eles esperavam que um dia eu esquecesse o assunto.
Eu tenho 20 anos, acham mesmo que algum dia eu vou esquecer?
Mas dizem que tudo se acaba depois que você tem os próprios filhos. Acredito ser verdade, pois o único momento em minha vida em que não desejei ter um irmão ou irmã foi quando achava que iria casar. Pensava na família que eu mesma construiria e daria irmãos aos meus filhos. Eu não parecia me importar.
Mas como o irmão que eu perdi há dez anos, a imagem dos filhos também se foi. Senti-me órfã novamente, apesar de não o ser. E á meus pais, que pensam que eu esqueci, confesso que não, Lembro-me todos os dias, mas não os culpo. Não digo nada, não espero. Quem sabe um dia algo aconteça e arranque a saudade que tenho de sentir esperança.